quinta-feira, 6 de novembro de 2008


O interrogatório de presos por videoconferência está a poucos passos de se tornar realidade. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou ontem substitutivo do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) ao Projeto de Lei 679/07, do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que visa a regulamentar esse procedimento. A proposta divide opiniões. Para alguns criminalistas, ela é inconstitucional; outros, porém, a consideram positiva e que trará celeridade a prestação jurisdicional.

O substitutivo aprovado prevê o interrogatório por videoconferência apenas em situações excepcionais. Nesse caso o juiz tem que autorizar o procedimento. Entre as razões possíveis estão questões envolvendo segurança pública ou eventual dificuldade do réu para comparecer em juízo. De acordo com Jereissati, a medida, caso aprovada, será aplicada em caráter excepcional.

"O mais adequado é que a regra geral seja a realização de interrogatório no estabelecimento prisional, com o deslocamento do magistrado. E que o interrogatório por meio de videoconferência seja efetivado apenas excepcionalmente", diz Jereissati, na justificativa do projeto. O senador reconhece que a "proposta tem despertado polêmicas no meio jurídico".

A proposição sugere a ampliação da utilização da videoconferência no caso de oitiva de testemunha presa, assim como a criação de regra que possibilite, mediante autorização do juiz, que acusado preso acompanhe a oitiva de testemunha por meio de videoconferência. O substitutivo também prevê o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor antes da realização do interrogatório, seja ele realizado na sede do juízo, seja no presídio ou por videoconferência; e a criação de sala do presídio destinada à realização do procedimento, que deverá ser fiscalizado pelo Ministério Público, magistrados, serventuários da Justiça e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

O texto foi aprovado em primeiro turno. Por se tratar de substitutivo, terá que ser submetido novamente ao crivo da comissão, desta vez em caráter terminativo. A matéria ganhou prioridade depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, na quinta-feira passada, por nove votos a um, a inconstitucionalidade da lei editada pelo Estado de São Paulo regulando a videoconferência. O tema chegou à Suprema Corte em habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública daquele Estado em favor de réu preso em agosto de 2005, por roubo qualificado.

A Defensoria pedia a anulação do interrogatório realizado pela videoconferência. Para isso, sustentou que apenas a presença física do juiz poderia garantir a liberdade de expressão do acusado em sua autodefesa. Alegou que o procedimento contrariava o artigo 185 do Código de Processo Penal e a Constituição.

A ministra Ellen Gracie, relatora do caso, julgou a favor da lei paulista. "O tema envolve procedimento, segundo entendo, e não processo penal", afirmou a ministra, acrescentando que, por essa razão, não havia inconstitucionalidade formal na norma questionada. Segundo a ministra, a videoconferência é uma nova forma de contato direto, não necessariamente no mesmo local.

O voto que prevaleceu, no entanto, foi o proferido pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em favor da concessão do habeas corpus. Ele afirmou que a lei não abordava apenas questões relativas a procedimentos.

Divergência entre advogados

O projeto divide opiniões. O criminalista Arthur Lavigne é contra o interrogatório por videoconferência. De acordo com ele, o procedimento fere o princípio constitucional da ampla defesa. "A presença do juiz é muito importante porque é quando ele e o réu têm contato direto. Então, se o interrogatório for feito a distancia, a apreciação do juiz fica limitada. Há uma banalização do interrogatório, como se ele não fosse importante. No entanto, ele é fundamental para a aferição do juiz", disse o especialista.

Opinião semelhante tem Carla Rahal Benedetti, do CRB Advocacia Criminal. Na avaliação dela, a videoconferência impossibilita o juiz de formar o convencimento necessário para julgar o caso. "Nem mesmo como excepcionalidade o interrogatório pode ser realizado assim. O ideal seria que ao juiz coubesse a tarefa de se deslocar até o presídio para colher o interrogatório do réu, sanando com isso, a problemática de deslocamento deles. Ao juiz cabe, como função que lhe é inerente, a busca pela verdade real dos fatos, ainda que para isso tenha que se deslocar de seu gabinete", afirmou.

Para o advogado Jair Jaloreto Jr. a proposta vai de encontro ao princípio constitucional da ampla defesa, por isso poderá ser argüida no Supremo Tribunal Federal (STF), caso venha a ser sancionada. De acordo com ele, qualquer mudança quanto à forma de realizar o interrogatório deve ser feita por emenda à Constituição.

Ampla defesa

"Muito embora se diga que a videoconferência trará economia e celeridade, o princípio da ampla defesa é posto em risco. A Constituição diz que o direito de defesa do cidadão tem que ser amplo e irrestrito. Acho que o projeto, se aprovado, pode ser argüido com base nessas premissas, nesse entendimento", disse o criminalista, destacando que o projeto é inconveniente, pois pode prejudicar o desempenho do profissional de defesa.

Há quem pense diferente. Miguel Pachá, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é a favor da videoconferência. Ele lembra que, quando era presidente da corte fluminense, uma das maiores dificuldades que tinha dizia respeito ao transporte dos presos para o fórum. "Havia casos em que tínhamos que solicitar a secretaria de segurança um verdadeiro exército para fazer a comitiva e a guarda de determinados detentos. Isso é extremamente caro. Além disso, tira as autoridades policiais do seu serviço para integrar esse aparato", disse o magistrado, que classifica a medida proposta como salutar.

O criminalista Filipe Schmidt Sarmento Fialdini, do escritório Fialdini, Guillon Advogados, considera a videoconferência positiva. "Primeiro ela evita o problema com o transporte dos presos. Depois, ela possibilita a gravação do interrogatório. Isso é essencial. Hoje, todo o procedimento é transcrito, o que dá margens a distorções. A videoconferência só vem em benefício do réu", afirmou. Na avaliação do advogado, o procedimento é polêmico porque envolve a adoção de uma nova tecnologia.

Dúvidas

"Quando os juízes começaram a usar a máquina de escrever, houve questionamento quanto à validade das decisões que eram datilografadas, por não se saber se teriam sido realmente escritas pelo juiz. Com o computador, questionou-se o fato de o magistrado poder copiar e colar as decisões. O mesmo ocorre com a videoconferência. Acho, no entanto, que ela será benéfica, desde que tomadas todas as cautelas", disse Fialdini, destacando alguns pontos a serem observados. De acordo com ele, o réu precisa estar acompanhado de seu advogado. Segundo afirmou, também seria importante a presença de um magistrado no presídio, para acompanhar o interrogatório, de forma a dar segurança ao interrogatório.

Para Sergio Coelho - do escritório Coelho, Ancelmo & Dourado Advogados - a corrente que sustenta que a videoconferência poderia gerar prejuízos ao réu é fruto de um raciocínio atrelado ao passado. "Na verdade, é inquestionável o benefício que trará a utilização da tecnologia para a realização deste procedimento, com redução evidente do tempo, dos custos e dos riscos envolvidos", disse o advogado, defendendo, porém, a decisão do STF quanto à lei paulista.

"A Constituição é clara ao estabelecer que compete privativamente à União legislar sobre Direito Processual. O procedimento da audiência é, a toda evidência, matéria atinente ao processo penal. Mas é importante notar que o STF não adentrou a discussão sobre se é bom ou ruim o sistema de videoconferência", acrescentou.

Fonte: Academia Brasileira de Direito

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