quinta-feira, 23 de abril de 2009

Nova lei estabelece que advogado passa a ter fé pública, assim como juiz e MP


O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, classificou o dia (22) como "mais uma importante vitória da advocacia brasileira, no sentido da valorização da profissão", a sanção da Lei nº 11.925, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nova lei estabelece que "o documento em cópia oferecido para prova poderá ser declarado autêntico pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal". Desta forma, reconhece que o advogado privado tem fé pública, conferindo-lhe o mesmo poder de que já dispõem a magistratura e os membros do Ministério Público.

"É mais uma vitória da advocacia, pois faz parte da nossa campanha de valorização da profissão demonstrar que o advogado privado tem o mesmo poder, a mesma fé e as mesmas prerrogativas do Ministério Público, da magistratura e da advocacia pública da União, vez que todos fazemos parte da administração da Justiça", observou Cezar Britto. Ele lembrou que as outras categorias já podiam firmar que os documentos ali produzidos nos processos por elas são originais. "Agora, o advogado privado passa a ter o mesmo poder de dizer que a prova ali produzida, quando reconhecida por ele, pode ser acreditada - porque a mentira não convive com a advocacia. Assim,, as cópias por nós produzidas e documentos por nós juntadas, se firmarmos que elas provem de um documento original ao qual tivemos acesso, ela tem que ser reconhecido como os demais e passar a ter fé pública", destacou Britto.

A seguir, a íntegra da Lei 11.925, que reconhece a fé pública do advogado, sancionada Pelo presidente da República:

LEI Nº 11.925, DE 17 DE ABRIL DE 2009.

Dá nova redação aos arts. 830 e 895 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Os arts. 830 e 895 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada peloDecreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 830. O documento em cópia oferecido para prova poderá ser declarado autêntico pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da cópia, a parte que a produziu será intimada para apresentar cópias devidamente autenticadas ou o original, cabendo ao serventuário competente proceder à conferência e certificar a conformidade entre esses documentos." (NR)

"Art. 895. ....................................................................

I - das decisões definitivas ou terminativas das Varas e Juízos, no prazo de 8 (oito) dias; e

II - das decisões definitivas ou terminativas dos Tribunais Regionais, em processos de sua competência originária, no prazo de 8 (oito) dias, quer nos dissídios individuais, quer nos dissídios coletivos.

............................................................................." (NR)

Art. 2o Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.

Brasília, 17 de abril de 2009; 188o da Independência e 121o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Carlos Lupi

Presunção de Inocência e Antecedente Criminal

Contudo, a simples existência de ação penal em curso não é o suficiente para constituir antecedente criminal, pois vale no direito penal pátrio o princípio da presunção de inocência, o qual está consagrado não só no art. 8.2. da CADH senão também (em parte) no art. , LVII da Constituição Federal, segundo o qual toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado.

Segundo lições do Prof. Luiz Flávio Gomes "se o agente é presumido inocente, até que sentença definitiva o reconheça culpado (CF, art. , inc. LVII), jamais inquérito policial ou ação penal em andamento pode ser considerado para efeito de antecedentes criminais". Assim, à luz da presunção de inocência são incompatíveis, as prisões automáticas ou prisões "por força de lei" assim como o reconhecimento de maus antecedentes criminais na simples existência de inquérito ou de processo em andamento.

sábado, 18 de abril de 2009

OAB-SP adere ao exame unificado da Ordem dos Advogados do Brasil


A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo anunciou nesta sexta-feira que vai aderir ao Exame da Ordem unificado adotado por todas seções da OAB, exceto Minas Gerais. Cerca de 70 mil bacharéis devem prestar o exame no dia 17 de maio, já com as mudanças em prática.

De acordo com Braz Martins Neto, presidente da comissão do Exame da Ordem de São Paulo, as áreas administrativa, constitucional e empresarial foram acrescentadas à segunda fase do exame. Na primeira fase, o conteúdo da prova recebeu o acréscimo do direito ambiental --com enfoque constitucional.

Segundo a OAB, há no país 1.112 cursos de direito, mas apenas 10% é recomendado pela instituição. A estimativa é que a aprovação média no Exame da Ordem varie entre 30% e 40% no país. O bacharel precisa acertar 50 questões na primeira fase e ter média seis na segunda fase para ser aprovado no exame.

"Isso permite aos bacharéis, que estão concluindo os cursos e que estão fazendo estágio, possam se submeter à avaliação na área empresarial, por exemplo, que é muito demandada no Estado de São Paulo", disse Martins Neto.

Elaborada pelo Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos), da UnB (Universidade de Brasília), a prova agora será a mesma em todos os Estados, mais o Distrito Federal, exceto em Minas Gerais. As questões serão avaliadas por uma banca da OAB formada por 14 membros de diferentes regiões do país.

Para Maria Avelina Hesketh, presidente da comissão nacional do Exame da Ordem, com a unificação, é possível avaliar os cursos com base nos mesmos critérios. Segundo ela, há um bacharel fará pela 23ª vez, na tentativa de finalmente ser aprovado.

Martins Neto atribui a baixa aprovação no Exame da Ordem à "mercantilização" do ensino. Ainda segundo ele, com a unificação da prova, o índice de aprovação do Estado de São Paulo não deve ter alterações, mas ficará entre os piores do país.

Mudanças

- Primeira fase: o direito ambiental --com enfoque constitucional-- será acrescentado ao conteúdo da prova, composta de cem questões objetivas.

- Segunda fase: os direitos administrativos, constitucional e empresarial também poderão ser escolhidos pelos bacharéis na prova subjetiva.

Fonte: FSP

Lula sanciona lei que tipifica crime de sequestro relâmpago


Laryssa Borges, Portal Terra

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou projeto de lei que tipifica o crime de seqüestro relâmpago, garantindo que o Código Penal passe a prever penas de seis a 12 anos para quem praticar o delito.

A nova legislação abre espaço para a possibilidade de sanção equivalente a 16 a 24 anos em caso de lesão corporal grave e de 24 a 30 anos para situações de morte da vítima.

Durante os debates sobre o caso no Poder Executivo, o Ministério da Justiça chegou a encaminhar ao presidente um parecer sugerindo o veto do texto por considerar que a nova lei poderia provocar confusão no meio jurídico e até beneficiar o réu.

Na avaliação do secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Pedro Abramovay, atualmente o Código Penal prevê a tipificação do seqüestro relâmpago como crime, caso contrário os seqüestradores que rendem a vítima nesse tipo de infração não poderiam ser punidos.

As possibilidades de roubo com restrição de liberdade e extorsão mediante violência ou uso de armas, contempladas na legislação brasileira e que na avaliação do Ministério equivalem ao seqüestro relâmpago, estimam pena máxima de 15 anos.

Com a nova legislação sancionada pelo presidente Lula e que entra em vigor com a publicação de edição extra do Diário Oficial nesta sexta-feira, caberá ao juiz decidir se o criminoso cometeu roubo com restrição de liberdade, extorsão mediante violência ou seqüestro relâmpago.

O imbróglio de jargões jurídicos pode culminar na decisão do magistrado de apontar o réu como responsável por seqüestro relâmpago, o que lhe daria probabilidade de pena básica máxima de 12 anos, e não de 15 anos, como era hoje previsto.

A pasta comandada pelo ministro Tarso Genro avaliou ainda, no parecer encaminhado ao presidente, que o agravante de lesão corporal grave, que amplia a sanção do seqüestro relâmpago para 16 a 24 anos, poderia ferir o princípio constitucional da proporcionalidade da pena, passando a punir com mais rigor o seqüestro do que o próprio homicídio (punido hoje com sei a 20 anos de prisão). O Palácio do Planalto não apontou razões para ter desconsiderados os argumentos do Ministério da Justiça.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Chefes dos três Poderes assinam 2º Pacto Republicano


Presidentes dos três Poderes da República, Luiz Inácio Lula da Silva (Executivo), Gilmar Mendes (Judiciário), senador José Sarney e deputado Michel Temer (Legislativo) assinaram, na manhã de ontem, 13/4, no Palácio do Buriti, o II Pacto Republicano de Estado por um sistema judiciário mais acessível, ágil e efetivo, conforme definição do STF.

Em dezembro de 2004, após a promulgação da EC nº 45, foi celebrado o primeiro Pacto de Estado por um Judiciário mais rápido e republicano, firmado pelos chefes dos três Poderes. Entende o governo que esse primeiro pacto permitiu a colaboração efetiva entre Executivo, Legislativo e Judiciário, na realização de reformas processuais e na atualização da legislação em vigor.

Esse segundo pacto objetiva ampliar o acesso universal à justiça, especialmente dos mais necessitados; aprimorar a prestação jurisdicional, mediante aplicação do princípio constitucional da razoável duração do processo e da prevenção de conflitos; e aperfeiçoar as instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate à violência e à criminalidade.

Com esse propósito, os representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário decidiram firmar essa nova agenda conjunta, onde estabelecem condições de proteção aos direitos humanos fundamentais, criam mecanismos para conferir maior agilidade à prestação jurisdicional e se unem para fortalecer os instrumentos já existentes de acesso à Justiça.

Em discurso antes da assinatura do documento, Sarney manifestou sua satisfação em tomar parte do acordo firmado pelos representantes dos Poderes da República.

"Não poderia imaginar maior alegria do que participar, como homem público, da assinatura do primeiro e do segundo Pacto Republicano. O propósito de um pacto como esse é fazer com que o Brasil seja, enfim, um país justo, onde cada brasileiro tenha sua liberdade respeitada - observou o presidente do Senado".

Direitos

Uma das preocupações do documento é sistematizar a legislação processual penal, conferindo especial atenção à investigação criminal, recursos, prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, para que sejam evitados excessos. Para isso, afirma o STF em sua página na internet, deve-se disciplinar o uso de algemas pelas polícias, por exemplo, de forma a atender ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Nesse pacto, os representantes dos três Poderes querem definir novas condições para o procedimento de interceptação telefônica, informática e telemática, atualizando a lei 9.296/96, a fim de evitar violação aos direitos fundamentais. O pacto prevê ainda alterações no Código Penal para dispor sobre os crimes praticados por grupos de extermínio ou milícias privadas, assim como da legislação sobre crime organizado, lavagem de dinheiro, e perdimento e alienação antecipada de bens apreendidos, no sentido de tornar mais eficiente a persecução penal.

Outro propósito é a revisão da Lei de Execução Penal, no sentido de aperfeiçoar o sistema carcerário, garantindo tanto a função ressocializante da pena quanto a segurança pública. Nessa mesma linha, as normas que definem o abuso de autoridade devem sofrer mudanças a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais.

Por esse pacto, serão ainda aperfeiçoados o Programa de Proteção à Vítima e Testemunha, do Ministério da Justiça, para garantir maior segurança e assistência ao beneficiário da proteção, assim como a legislação material trabalhista, visando ampliar, em especial, a disciplina de novas tutelas de proteção das relações de trabalho. Outra novidade consistirá na adoção de novas regras de atuação das comissões parlamentares de inquérito criadas pelo Legislativo.

17 pontos do 2º Pacto Republicano

A fim de garantir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, o 2º Pacto Republicano elenca 17 pontos a serem reformulados na legislação vigente e traça novas diretrizes de atuação perante o Judiciário. São eles:

1- Conclusão da Reforma Constitucional do Poder Judiciário e das normas relativas ao funcionamento do Conselho Nacional de Justiça, em especial das Propostas de Emenda Constitucional 358/2005 e 324/2009;

2- Aprimoramento normativo para maior efetividade do pagamento de precatórios pela União, estados, Distrito Federal e municípios;

3- Regulamentação do processo e julgamento da representação interventiva perante o Supremo Tribunal Federal;

4- Regulamentação do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão;

5- Normatização da convocação de juízes para instrução de ações penais originárias nos tribunais superiores;

6- Revisão de normas processuais, visando agilizar e simplificar o processamento e julgamento das ações, coibir atos protelatórios, restringir hipóteses de reexame necessário e reduzir recursos;

7- Aperfeiçoamento do sistema de execução trabalhista para incorporar aprimoramentos já adotados no processo de execução civil;

8- Aperfeiçoamento do recurso de revista, do recurso ordinário e do procedimento sumaríssimo no processo trabalhista;

9- Instituição de sistema de uniformização de jurisprudência no âmbito dos juizados especiais estaduais, na esteira do sistema federal;

10- Estruturação das turmas recursais dos Juizados Especiais Federais;

11- Revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo;

12- Atualização do Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de conferir eficácia executiva aos acordos e decisões dos Procons, quanto aos direitos dos consumidores;

13- Regulamentação da responsabilidade civil do Estado para estabelecer formas de reparação, em especial no âmbito administrativo, de danos provocados pelo Poder Público, bem como as formas de regresso em relação aos seus causadores;

14- Revisão da Lei de Improbidade Administrativa, assegurando maior eficácia na recuperação de ativos, aprimorando a gestão da Administração Pública e prevenindo ações indevidas e malversação de recursos públicos;

15- Criação de colegiado para julgamento em primeiro grau nos casos de crimes de organizações criminosas, visando trazer garantias adicionais aos magistrados, em razão da periculosidade das organizações e de seus membros;

16- Atualização da Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN;

17- Nova disciplina constitucional para Medidas Provisórias.

Compromissos

Para a realização dos objetivos estabelecidos no 2º Pacto Republicano, os chefes dos três Poderes assumem como compromissos os seguintes propósitos:

a)criar um Comitê Interinstitucional de Gestão do presente Pacto Republicano de Estado por um sistema mais acessível, ágil e efetivo, com representantes indicados por cada signatário, tendo como objetivo desenvolver e acompanhar as ações pactuadas;

b)conferir prioridade às proposições legislativas relacionadas aos temas indicados, dentre as quais se destacam a continuidade da reforma do Judiciário, a democratização do acesso à Justiça, inclusive mediante o fortalecimento das Defensorias Públicas, a efetividade da prestação jurisdicional e o aperfeiçoamento dos serviços públicos prestados à sociedade;

c)incrementar medidas tendentes a assegurar maior efetividade ao reconhecimento dos direitos, em especial a concessão e revisão de benefícios previdenciários e assistenciais;

d)fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados à maior pacificação social e menor judicialização;

e)ampliar a edição de súmulas administrativas e a constituição de Câmaras de Conciliação;

f)celebrar termos de cooperação entre os Poderes com o objetivo de intensificar ações de mutirão para monitoramento da execução penal e das prisões provisórias, fortalecendo a assistência jurídica aos presos e familiares e promovendo ações de capacitação e reinserção social;

g)incentivar a aplicação de penas alternativas;

h)integrar ações de proteção às crianças e adolescentes vítimas ou em situação de risco e promover medidas de aprimoramento do Sistema de Justiça em que se insere o menor em conflito com a lei;

i)aperfeiçoar a assistência e o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha;

j)estruturar e apoiar as ações dos órgãos de controle interno e ouvidorias, no âmbito das instituições do Sistema de Justiça, com o objetivo de promover maior transparência e estimular a participação social;

l)melhorar a qualidade dos serviços prestados à sociedade, possibilitando maior acesso e agilidade, mediante a informatização e desenvolvimento de programas de qualificação dos agentes e servidores do Sistema de Justiça;

m)fortalecer o exercício do direito fundamental à ampla defesa e da advocacia; e

n)viabilizar os recursos orçamentários necessários à implantação dos programas e ações previstos neste pacto.

Discursos

O presidente do Supremo, o ministro Gilmar Mendes, citou o CNJ como coordenador e planejador das atividades da Justiça, seja em mutirões carcerários, na virtualização das Varas de Execução Criminais, na construção de Casas de Justiça e Cidadania e no projeto Começar de Novo �" que envolve crianças em risco ou em conflito com a lei em atividades de reinserção �" entre outros. Esses projetos são considerados fundamentais para a celeridade e maior cobertura da Justiça nas comunidades. Segundo Mendes, o Judiciário vem fazendo bom uso da tecnologia para compartilhar dados e cadastros atualizados.

Ele garantiu que o Poder Judiciário "assume o compromisso com a melhoria constante de suas estruturas, como protagonista de suas próprias mudanças".

Gilmar Mendes lembrou que deve haver perfeita sintonia na execução dos projetos para o novo pacto e disse que quanto mais abrangente, criteriosa e participativa for a atuação do Legislativo, melhor, mais eficiente e legítimo será o processo de aperfeiçoamento das instituições democráticas. "Só um Congresso permanentemente aberto, ativo e altivo pode garantir o Estado Democrático de Direito", resumiu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou, em seu discurso, que, como no primeiro pacto, o aperfeiçoamento dependerá de todos os poderes trabalharem juntos, sem corporativismo. "Ninguém aqui está defendendo seu próprio espaço. Nós estamos é dando para o País uma cara de democracia", afirmou. E ainda incentivou a capacidade de promover mudanças �" mesmo que elas sejam feitas na Constituição, que em 2009 completará 21 anos.

Legislativo

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, destacou o fato de o primeiro pacto, assinado em 2004, ter possibilitado o desenvolvimento de mais de 20 projetos criados por força do acordo. Já o presidente do Senado Federal, José Sarney, afirmou que o pacto significa o aprofundamento da democracia e a boa aplicação da Justiça num ambiente de harmonia entre os três Poderes.

Ele observou que com a concretização das metas previstas no pacto a polícia deverá respeitar os direitos humanos e a qualidade das provas e também a forma de conduzir a investigação. E pediu a participação dos estados num esforço nacional para alcançar o que propõe o acordo.

Entrevista

Ao deixar o Palácio do Buriti, onde ocorreu a assinatura do acordo, o ministro Gilmar Mendes falou a jornalistas da importância de serem aprovadas leis sobre abuso de autoridade, sobre Comissões Parlamentares de Inquérito e sobre interceptações telefônicas. Ele destacou as necessidades de os processos judiciais serem mais rápidos, seja na esfera cível ou criminal e de melhora e uniformização dos juizados especiais federais e cíveis. Além disso, disse que as Varas de Execução Criminal deverão ser virtualizadas.

O ministro explicou que o pacto enfatizará a celeridade da Justiça e dos julgamentos, a segurança jurídica e a defesa dos direitos humanos �" no que diz respeito, por exemplo, à interceptação de conversas, a abuso de autoridade e a outras medidas ligadas ao encarceramento e ao excesso de prisões provisórias.

Todos eles discursaram testemunhando a grave crise vivida pelo sistema prisional brasileiro e prenunciando esforços para tornar a Justiça mais eficaz. Lula foi o último a falar.

"Que Deus dê ao Congresso a mesma sabedoria que deu na construção do 1º Pacto. O Senado, a Câmara, o Judiciário e o Executivo estão agora de mãos dadas para dizer que não há nada que nos demova da ideia de tornar a Justiça brasileira cada vez mais respeitada, cada vez mais competente para atender aos anseios daqueles que precisam de justiça. Afinal de contas, médico e justiça ninguém precisa em tempos bons. Só se precisa em tempos maus. Portanto, que Deus nos abençoe. Que a gente, daqui a um ano, esteja aprovando tudo que está enviando agora ao Congresso".

Num discurso igualmente otimista, o presidente do Senado lembrou o êxito do 1º Pacto Republicano, assinado em 2004, para dizer que, nesse momento, os três Poderes da República repetem o esforço para tornar o país mais justo.

"O Brasil não será um país justo enquanto mais de um terço dos presos forem provisórios, tendo sua liberdade limitada enquanto pende de julgamento seu processo. Nesse sentido, o sistema de justiça social deve ser capaz de entregar a decisão final do processo penal em tempo adequado, o que traduziria, aliás, o princípio constitucional da razoável duração do processo. É nessa direção que caminha este pacto".

Sarney também disse que o Brasil tampouco será um país justo enquanto um trabalhador que labute por 20 anos na mesma empresa possa ser demitido após um aviso prévio de apenas 30 dias. Ele lembrou que a Constituição brasileira prevê expressamente que o aviso prévio deva ser proporcional ao tempo de serviço.

O presidente do Senado sustentou que nenhum país é um justo enquanto o Código de Processo Penal permitir subterfúgios que dificultem a prestação jurisdicional, consentindo que advogados hábeis arrastem processos indefinidamente. Para isso, disse ele, o Senado possui hoje em funcionamento uma Comissão de Juristas dedicada a um anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, cuja discussão legislativa e aprovação é uma das metas do pacto.

"Ainda o Brasil não será um país justo enquanto o foro por prerrogativa de função servir de barreira à persecução criminal. Determinadas autoridades devem ser julgadas por tribunais superiores para garantir a independência dos julgadores e evitar eventuais perseguições indevidas da parte de juízes monocráticos, mas isso não pode se converter em empecilho ao seu julgamento. Este pacto caminha no sentido de encontrar uma solução para esse problema, ao propor a regulamentação da convocação de juízes de primeiro grau para instruir tais feitos".

Em seu discurso, o presidente do Senado disse ainda que a atuação e os métodos da polícia são fundamentais para que os objetivos traçados por esse Pacto Republicano sejam alcançados.

"Aliás, a atuação da polícia é duplamente importante: num primeiro momento, para respeitar os direitos humanos durante as etapas investigatórias e, num segundo momento, a qualidade das provas e a forma de condução dessa investigação são fundamentais para garantir a responsabilização, pelo Judiciário, daqueles que cometerem delitos. É essa coordenação entre os Poderes que necessitamos hoje para o país".

Sarney disse ainda que, quando a Constituição prevê que os Poderes sejam independentes e harmônicos entre si, na verdade estimula que eles dialoguem e estabeleçam prioridades e metas a serem buscadas. Em sua opinião, as tensões eventualmente existentes, naturais no processo democrático, devem ser resolvidas com base no diálogo e na cooperação.

"Só assim o Estado caminhará na direção por todos nós desejada", afirmou o presidente do Senado.

Fonte: JusBrasil

terça-feira, 14 de abril de 2009

Avô de "Isabella Nardoni" desabafa...

Em nome do Estado Democrático de Direito e da ampla defesa

Antonio Nardoni*

Como cidadão, procuro manter sempre uma postura ética de respeito às instituições e às autoridades, sejam elas de qualquer instância de poder, até porque, o respeito às leis e às pessoas deve sempre fazer parte das nossas vidas e devemos praticar isso diariamente sob pena de estarmos afrontando o nosso próprio eu.

Esse comportamento sempre pautou a minha vida. Desde criança, numa infância pobre e com grandes dificuldades, minha mãe sempre ensinou a mim e aos meus irmãos o valor do respeito às leis e às pessoas, como sendo um bem precioso e importante de cada ser humano.

A educação recebida em nossa infância sempre é levada à frente na educação que passamos aos nossos filhos. Pelo menos no nosso caso e na nossa família, a educação sempre esteve presente e isso pode ser dito por qualquer pessoa que acompanhou de perto a nossa vida e a vida de nossos filhos e netos.

Sobre o caso que envolve minha neta, meu filho e minha nora, fico extremamente magoado com as atitudes de algumas autoridades deste país, na medida em que não levam em conta o respeito e a dignidade do ser humano.

Quando vejo as atitudes das autoridades - em total afronta à nossa Carta Maior - simplesmente desprezar a presunção da inocência, o direito de defesa e inverter o ônus da prova acusando um casal de assassinar brutalmente uma criança sem ao menos ter uma prova concreta disso, concluo que o Estado Democrático de Direito corre um grande perigo.

As instituições, principalmente as autoridades, que municiaram a mídia com informações que não se confirmaram, com o objetivo de dar uma resposta rápida à sociedade, acusam, prendem, julgam e condenam o casal, sem dar-lhes a mínima chance de se defender. Até porque, nesse momento, levar o casal a júri popular é meramente uma formalidade para ratificar as acusações infundadas lançadas para conhecimento da população, que tem hoje o casal e seus familiares como monstros capazes de qualquer atrocidade a ponto de apedrejarem nossas casas e tentarem nos agredir na rua, esquecendo-se de que somos seres humanos e que existem duas outras crianças longe dos seus pais.

Preocupa-me, também, a postura das entidades de classe, que desde o início do caso - talvez por receio de retaliações - calaram-se diante do total absurdo que vem ocorrendo na condução dos trabalhos, seja pelas acusações sem prova, testemunhas plantadas, indiciamento e o interrogatório sem o laudo concluído ou mesmo por afirmações das próprias autoridades que não se comprovaram na conclusão dos trabalhos.

O mesmo devo dizer, infelizmente, dos profissionais da área de medicina e biologia, que muito provavelmente com o receio do que possam pensar a mídia e o povo, deixam simplesmente de dar sua opinião técnica ou se recusam a dizer a verdade sobre o caso, esquecendo-se que um dia poderão ter que se explicar aos seus familiares e principalmente aos seus filhos, do porque deixar dois inocentes pagarem por algo que não fizeram, somente porque tinham medo de exercer o seu direito de dizer o que sabem.

Não se pede para que alguém diga algo que não seja a verdade. Então por que alguém pode deixar de dizer a verdade por receio do que pensam outras pessoas? Estudaram para isso e juraram que sempre diriam a verdade sobre os assuntos da sua responsabilidade, ou para os quais tivessem estudado, e se especializado, e vemos, na prática, esses profissionais se esquivando de falar ou escrever sobre o assunto de maneira técnica.

Não se pede nada a esses profissionais, apenas que sejam éticos e se pronunciem em base aos laudos oficiais ou em sua experiência profissional, o que poderia ter evitado uma condenação antecipada do casal pelas autoridades e pela mídia, como aconteceu nesse caso.

Como podem as autoridades desse Estado e do país, não terem humildade e profissionalismo suficiente para assumirem que estão sendo induzidas a erro, uma vez que os laudos oficiais nada provam e ainda desmentem todas as informações passadas à imprensa principalmente sobre o “inexistente” sangue no carro, na cadeira do bebê, na fralda e no chão do apartamento.

Causa-me espanto, também, tomar conhecimento de algumas decisões de 1ª ou de 2ª instâncias, onde pessoas do mais alto conhecimento jurídico são induzidas a erro ao se embasarem em argumentos falsos para manter o casal preso. Ou seja, alegam a existência de sangue na fralda, no carro, na cadeira do bebê e no chão do apartamento onde supostamente teriam jogado a menina, quando o próprio laudo oficial desmente essas afirmações, não comprovando a existência do tão propalado sangue nesses itens, restando, portanto, a conclusão de que não houve a fraude processual e menos ainda a existência da agressão no carro, a qual seria a base para o suposto crime.

Mais grave, ainda, é o fato de estarmos falando do laudo oficial conclusivo, razão pela qual falta entendimento do porquê manter o casal preso. Seria somente pelo clamor popular? O clamor popular poderia e deveria ser amenizado se as autoridades íntegras desse país viessem a público para dizer a verdade. Somente a verdade.

Nunca em meus pronunciamentos pedi nada que não fosse a verdade dos fatos, e por isso não compactuo com mentiras em engodos para manter uma história que não se sustenta e que pretende manter dois inocentes na cadeia, somente pela promoção pessoal e para não assumir que erraram, esquecendo-se que eles têm dois outros filhos ainda pequenos, e que precisam deles.

Os próprios laudos oficiais e depoimentos das testemunhas de acusação (testemunhas essas que deveriam falar somente nos laudos e nos relatórios como é o caso da delegada que conduziu o inquérito e dos peritos que assinaram o laudo) comprovam a inocência do casal ao afirmarem que não entregaram determinados objetos para análise pericial por entenderem não serem relevantes. Pergunto-me, o que não seria relevante nesse caso? Impressões digitais? Análise da chave que teria ferido minha neta no carro? Exames nas mãos do casal, da Isabella e de suas vestes? Por mais absurdo que possa parecer, nada disso foi feito, até porque, a perícia alegaque fez e entendeu ser irrelevante para juntar ao processo.

Referida autoridade policial não deveria nem ter conduzido o inquérito, uma vez que, já na madrugada do fato (30.3.08) afirmava para todos que tinha sua convicção de que o casal era culpado e que ela não tinha outra linha de investigação. Os peritos e a autoridade policial faltam com a verdade ao afirmar que foram convocados para atender uma queda de criança do sexto andar, quando a requisição para a perícia dos laudos já consta como um homicídio.

Isso ficou demonstrado nas investigações, que foram conduzidas unicamente com o objetivo de condenar antecipadamente o casal, seja pelas declarações antecipadas à imprensa de fatos que não se confirmaram, seja pela atitude da autoridade policial, que em conjunto com outra delegada chamou o casal de assassino em plena Delegacia de Polícia para toda a imprensa ouvir.

Essa autoridade policial confirma isso em seu depoimento ao juiz que conduz o processo, quando afirma que na manhã de domingo já tinha sua convicção da culpa do casal. Ou seja, todas as investigações foram direcionadas somente ao casal, razão pela qual foram feitas nove perícias no apartamento, desprezando outras linhas de investigação, inclusive várias denúncias que sequer foram apuradas.

Outro procedimento estranho dessa autoridade, é que, quando perguntada sobre a chave do apartamento (que, segundo ela, teria sido usada para agredir Isabella) afirma que deixou na gaveta em sua sala. Talvez não tenha achado importante mandar para a perícia.

Se o objeto que teria ferido minha neta não é importante, o que seria então? Talvez não tenha enviado para análise porque sabia que não constataria ter o sangue da menina na chave, e nesse caso a história criada não poderia ser contada da forma como foi.

Causa-me espanto, quando vejo as decisões afirmarem que o casal deve permanecer preso porque ficou comprovado à existência de sangue no carro, na cadeira de transporte, na fralda e no chão do apartamento, quando na verdade isso não se comprova com a leitura dos laudos oficiais, o que me leva a concluir que as autoridades estão sendo induzidas a erro pelo que foi veiculado na imprensa, até porque uma breve leitura do laudo oficial conclusivo de DNA deixa claro que nesses lugares não houve confirmação para sangue.

Seria pedir demais para os juízes, desembargadores e ministros que, antes do seu despacho, fizessem uma breve leitura do laudo oficial conclusivo de DNA (as páginas 1.299 a 1.310 do processo em questão, mais especificamente a partir da página 1.305), onde constataria que estão sendo induzidos a erro, seja pelas informações passadas pelas autoridades, seja pelas veiculadas pela imprensa, porque, em tais itens - nos quais se embasam para manter o casal preso e afirmar que eles mataram minha neta - nenhum deles comprova a existência de sangue.

Se analisarmos esse caso desde o início, veremos que estamos vivendo num estado policialesco e não num Estado Democrático de Direito. Se não tomarmos cuidado, em nome de uma “dita” justiça que não se sabe se é a verdadeira, estaremos excluindo direitos e transformando nosso país em algo que não é o que queremos. Aqui falo pelo que nossos antepassados lutaram para conquistar. Refiro-me a um país justo onde as leis devem ser observadas, independentemente de quem dela precise, sem distinção de cor, credo ou condição social, ou seja, a lei existe para ser aplicada e não podemos deixar de fazê-lo com medo de críticas ou do que possam pensar pessoas que têm outros interesses.

Os aplicadores do Direito devem, sim, fazer justiça, mas não aquela dita pela mídia ou por outra pessoa qualquer com interesse no caso. Mas sim aquela que consta dos autos, aquela que prova a culpa, aquela que não deixa dúvidas sobre sua autoria.

Não deveriam se preocupar com o clamor popular, clamor que existe porque pssou-se para a população informações que posteriormente não se confirmaram, tendo, inclusive, algumas autoridades, sem o menor pudor e responsabilidade, chamado a população para as ruas para fazer a sua própria justiça, demonstrando mais uma vez que não existem provas contra o casal, mas, sim, tentando levar o povo a fazer justiça com as próprias mãos.

Levar esse casal a júri nesse momento e nesse país é concordar com o óbvio, ou seja, fazer como Pilatos, lavar as mãos em nome de uma justiça que não é a verdadeira, tentando demonstrar ao povo uma celeridade que não ocorre nos milhares de outros processos hoje em trâmite, e manter na cadeia dois inocentes.

Fica muito fácil para as autoridades afirmar que cumpriram com sua obrigação, e depois colocar a sua cabeça no travesseiro e dizer que, se houve condenação, foi o júri quem condenou e não nós, como se isso pudesse aliviar sua consciência, da forma como foi conduzido esse processo desde o início.

Não estou aqui defendendo simplesmente o casal, mas também a essência da democracia nesse país, e o Estado Democrático de Direito e da ampla defesa que, nesse caso, não estão sendo observados, em nome de uma justiça rápida, que não pode e não deve ser a verdadeira justiça, sob pena de se ratificar a condenação de dois inocentes. Inocentes que hoje já estão pagando por algo que não fizeram, somente para satisfazer os desejos de promoção de alguns poucos.

Peço do fundo do meu coração, como pai e avô de uma menina linda que se foi, para que as autoridades desse país - principalmente aquelas que devem aplicar o Direito na sua plenitude - que reflitam bem sobre esse caso, para que não se arrependam amanhã das exceções hoje aplicadas, e que podem vir a se tornar regras num futuro bem próximo, levando nossas instituições ao descrédito e as pessoas desse nosso lindo país a acreditar que vale tudo em busca da justiça, mesmo a condenação de dois inocentes.

_________________

*Advogado (OAB/SP 121.857), formado pela Faculdade de Direito das Faculdades Integradas de Guarulhos - Turma de 1992.


Fonte: web

Argumento novo na fase da tréplica não constitui ofensa ao contraditório


É possível apresentar novo argumento em tese defensiva na fase da tréplica, não levantado em nenhuma fase do processo, sem violação do princípio do contraditório? A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, decidiu que sim, ao conceder habeas-corpus para anular julgamento do Tribunal de Júri que havia condenado um acusado de homicídio do Mato Grosso do Sul.

Após a condenação, a Defensoria Pública apelou para o Tribunal de Justiça estadual (TJMS), requerendo a nulidade do julgamento sob o argumento de ilegalidade no indeferimento de sua tese relativa à inexigibilidade de conduta diversa.

O TJMS negou provimento à apelação, afirmando que a defesa inovou na tese defensiva apresentada apenas na tréplica, causando surpresa na acusação e não dando oportunidade do contraditório ao Ministério Público. Segundo o tribunal, está correta a decisão de primeira instância que negou a inserção nos quesitos submetidos a julgamento pelo Júri da excludente da inexigibilidade de conduta diversa, não sendo causa de nulidade do julgamento.

Inconformada, a defesa recorreu ao STJ. É bem verdade que o defensor de 1ª instância inovou na tréplica, vindo a apresentar nova tese defensiva que se consubstanciou na inexigibilidade de conduta diversa, que é um dos elementos da culpabilidade, afirmou a defensoria. Porém, a contrario sensu do que alega o nobre desembargador relator do acórdão (...), não há violação alguma do princípio do contraditório, uma vez que a Carta Magna, em seu artigo , inciso XXXVIII, alínea 'a', garante a plenitude de defesa e no inciso LV do mesmo artigo garante a ampla defesa.

Em parecer, o Ministério Público Federal concordou, manifestando-se pela denegação da ordem. Segundo a procuradora, a questão não se refere exatamente à possibilidade de, no julgamento pelo Tribunal do Júri, serem formulados quesitos referentes às causas supralegais excludentes de culpabilidade, mas ao momento em que foi feita. No momento da tréplica, houve inovação de tese defensiva, não levantada em nenhuma fase do processo, violando, assim o princípio do contraditório, ressaltou.

Ao votar, o ministro Hamilton Carvalhido manteve a validade do julgamento. É vedada a inovação de tese na tréplica, sob pena de violação do princípio do contraditório, não havendo falar, por consequência, em nulidade pela ausência de formulação de quesito a ela relativa, afirmou.

O ministro Nilson Naves, após vista do processo, discordou, observando que o júri deve pautar-se pela plenitude da defesa. O postulado axiológico da presunção de inocência, por ser eterno, universal e imanente, nem precisaria estar gravado em texto normativo, considerou. E a ampla defesa? Instituto/princípio que se inscreve entre os postulados universais e que não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos, acrescentou.

Ao conceder a ordem para reconhecer a nulidade do julgamento, Naves desculpou-se pelos pensamentos contrários, afirmando: Quando existe o conflito, devemos solvê-lo em prol da liberdade. Os ministros Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura concordaram.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça - STJ = HC 61.615

terça-feira, 7 de abril de 2009

O PENSAMENTO DO PADRE ANTÔNIO VIEIRA NA ATUALIDADE




Lucia Carine Rocha Corlinos (UERJ)
Ruy Magalhães de Araújo
(UERJ)

O SERMÃO DO BOM LADRÃO

Um dos sermões que mais se identifica com a atualidade brasileira, pregado na Igreja da Misericórdia de Lisboa em 1655, diante de D. João IV e sua corte. Lá estavam também os maiores representantes do reino, que possuíam cargos elevados, tais como: juízes, ministros e conselheiros.

Vieira utilizou-se do púlpito como mensageiro das absorções públicas, à maneira de uma imprensa ou de um palanque político. Apesar de estar na Igreja da Misericórdia, disse ser a Capela Real e não aquela Igreja o local que mais combinava com o seu discurso, porque iria expor assuntos pertinentes à sua Majestade e não à piedade.

Vejamos alguns trechos abaixo:

Levarem os reis consigo ao paraíso os ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei.

Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levaram consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno.

Esta pequena introdução serviu para que Vieira manejasse os seus dardos inflamados contra aquele auditório composto por pessoas da nobreza. E continuou enérgico:

A salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se perdoa sem se restituir o roubado: Non dimittitur peccatum nisi restituatur ablatum.

Suposta esta primeira verdade, certa e infalível; a segunda coisa que suponho com a mesma certeza é que a restituição do alheio sob pena de salvação, não só obriga aos súditos e particulares, sendo também aos cetros e as coroas. Cuidam ou devem cuidar alguns príncipes, que assim como são superiores a todos, assim são senhores de tudo; e é engano. A lei da restituição é lei natural e lei divina. Enquanto lei natural obriga aos reis, porque a natureza fez iguais a todos; enquanto lei divina também os obriga; porque Deus, que os fez maiores que os outros, é maior que eles.

Baseado no pensamento do filósofo Patrístico Santo Tomás de Aquino, de que os príncipes são obrigados a devolver o que roubam do povo, sem que seja para a conservação e benefício de todos, lembra Vieira terem sido castigados com o cativeiro dos Assírios e dos babilônicos os reinos de Israel e Judá, entretanto os seus príncipes, em vez de cuidarem do povo na função de pastores, roubam o mesmo como mercenários: Principes ejus in médio illius, quasi lupi rapientes praedam. (Ezech. XXII, 27)

Diante do pensamento de Santo Agostinho, é nítida a diferença entre os reinos, onde se evidenciam opressões e injustiças, e os abismos dos ladrões: naqueles os roubos e as extorsões eram muito grandes; nestes os covis de lobos eram representados por reinos menores, e confirma essa proposição narrando de uma passagem histórica com Alexandre Magno:

Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco ponem latronem, et piratam quo regem animum latronis et piratae habentem. Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei; todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

Quando li isto em Sêneca não me admirei tanto de que um estóico se atrevesse uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero. O que mais me admirou e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos e timoratos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina.

Seguindo ainda nessas proposições, lança acusações contra os poderosos:

O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.

Diógenes que tudo via com mais aguda vista que os outros homens viu que uma grande tropa de varas e ministros da justiça levava a enforcar uns ladrões e começou a bradar: lá vão os ladrões grande a enforcar os pequenos... Quantas vezes se viu em Roma a enforcar o ladrão por ter roubado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo, um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província?... De Seronato disse com discreta contraposição Sidônio Apolinário: Nom cessat simul furta, vel punire, vel facere. Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não era zelo de justiça, senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo para roubar ele só! Declarando assim por palavras não minhas, senão de muito bons autores, quão honrados e autorizados sejam os ladrões de que falo, estes são os que disse, e digo levam consigo os reis ao inferno.

Vieira novamente vai fazer uso, do pensamento do filósofo Patrístico Santo Tomás de Aquino:

(...) aquele que tem obrigação de impedir que se furte, se o não impediu, fica obrigado a restituir o que se furtou. E até os príncipes que por sua culpa deixaram crescer os ladrões, são obrigados à restituição; porquanto as rendas com que os povos os servem e assistem são como estipêndios instituídos e consignados por eles, para que os príncipes os guardem e mantenham com justiça.

Marcando uma face satírica e anedótica, Vieira fez o seguinte comentário:

Dom fulano (diz a piedade bem intencionada) é um fidalgo pobre, dê-se-lhe um governo. E quantas impiedades, ou advertidas ou não, se contêm nesta piedade? Se é pobre, dêem-lhe uma esmola honesta com o nome de tença, e tenha com que viver. Mas, porque é pobre, um governo, para que vá desempobrecer à custa dos que governar; e para que vá fazer muitos pobres à conta de tornar muito rico?!

Vieira em um outro momento, ao discorrer sobre as investidas portuguesas na Índia, declara sobre a informação de São Francisco Xavier a D. João III, quando São Francisco Xavier denunciava naquela região e em outras, os responsáveis pela administração pública conjugam o verbo rapio em modos e em 1º, 2º e 3º pessoa:

Escreveu Vieira:

O que eu posso acrescentar pela experiência que tenho é que não só do Cabo da Boa Esperança para lá, mas também da parte de aquém, se usa igualmente a mesma conjugação. Conjugam por todos os modos o verbo rapio, não falando em outros novos e esquisitos, que não conhecem Donato nem Despautério (a). Tanto que lá chegam começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos, é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque, como têm o misto e mero império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e gabando as coisas desejadas aos donos delas por cortesia, sem vontade as fazem suas. Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem, quando menos, meeiros na ganância. Furtam pelo modo infinito, porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes, em que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas; porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente por todos os tempos, porque o presente (que é o seu tempo) colhem quanto dá de si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito e o futuro, de pretérito desenterram crimes, de que vendem perdões e dívidas esquecidas, de que as pagam inteiramente; e do futuro empenham as rendas, e antecipam os contratos, com que tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos. Finalmente nos mesmos tempos não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plusquam perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em suma, o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles, como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados e ricos: e elas ficam roubadas e consumidas... Assim se tiram da Índia quinhentos mil cruzados, da Angola, duzentos, do Brasil, trezentos, e até do pobre Maranhão, mais do que vale todo ele.

Destemido e ousado, aponta o seu verbo ao rei pessoalmente:

Antigamente os que assistiam ao lado dos príncipes chamavam-se laterones. E depois, corrompendo-se este vocábulo, como afirma Marco Varro, chamaram-se latrones. E que seria se assim como se corrompeu o vocábulo, se corrompessem também os que o mesmo vocábulo significa? O que só digo e sei, por teologia certa, é que em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos príncipes de Jerusalém: Principes tui socii rurum: os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo.

Onde achar, a não ser num Santo Ambrósio, num São Bernardino de Sena ou num Savanarola, outra voz que bradasse perante o rei que era cúmplice de alguma forma com o desvio de dinheiro dos súditos que exerciam um cargo perante ele, registrava o ilustre pregador e mensageiro, em um outro Sermão, não tinha observado sem motivo algum, que enquanto os imãs atraem o ferro, os ricos e potentados atraem o ouro?

O que costumam furtar nestes ofícios e governos os ladrões de que falamos ou é a fazenda real ou a dos particulares; e uma outra têm obrigação de restituir depois de roubada, não só os ladrões que a roubaram, senão também os reis; ou seja, porque dissimularam e consentiram os furtos, quando se faziam, ou somente (que isso basta) por serem sabedores deles depois de feitos. E aqui se deve advertir uma notável diferença (em que se não repara) entre a fazenda dos reis a e dos particulares. Os particulares, se lhes roubam a sua fazenda, não só não são obrigados à restituição, antes terão nisso grande merecimento se o levarem com paciência; e podem perdoar o furto a quem os roubou. Os reis são de muito pior condição nesta parte: porque, depois de roubados têm eles obrigação de restituir a própria fazenda roubada, nem a podem demitir, ou perdoar aos que roubaram. A razão da diferença é, porque a fazenda do particular é sua; a do rei não é sua, senão da república. E assim como o depositário, ou tutor, não pode deixar alienar a fazenda que lhe está encomendada e teria obrigação de a restituir, assim tem a mesma obrigação o rei que é tutor e como depositário dos bens e erário da república; a qual seria obrigado a gravar com novos tributos, se deixasse alienar ou perder as suas rendas ordinárias.

Rei dos reis e Senhor dos senhores, que morreste entre dois ladrões para pagar o furto do primeiro ladrão; e o primeiro a quem prometeste o paraíso foi outro ladrão; para que os ladrões e os reis se salvem, ensinai com vosso exemplo e inspirai com vossa graça a todos os reis, que não elegendo, nem dissimulando, nem consentindo, nem aumentando ladrões, de tal maneira impeçam os furtos futuros e façam restituir os passados, que em lugar de os ladrões os levarem consigo, como levam, ao inferno, levem eles consigo os ladrões ao paraíso, como vós fizestes hoje: Hodie mecum eris in paradiso.

O TOMAR O ALHEIO NO BRASIL

Padre Antônio Vieira, perante o vice-rei, marquês de Montalvão, no ano de 1641, na Bahia, trazia a seguinte mensagem em forma de pregação:

Perde-se o Brasil, senhor (digâmo-lo em uma palavra) porque alguns ministros de sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm buscar nossos bens... El-rei manda-os tomar Pernambuco e eles contem-se com o tomar. Este tomar o alheio é a origem da doença. Toma nesta terra o ministro da justiça? Sim, toma. Toma o ministro da república? Sim, toma. Toma o ministro da fazenda? Sim toma. Toma o ministro do Estado? Sim toma. E como tantos sintomas lhe sobrevém ao pobre enfermo, e todos acometem à cabeça e ao coração, que são as partes mais vitais, e todos os atrativos e contrativos do dinheiro, que é o nervo dos exércitos e das repúblicas, fica tomado todo o corpo, e tolhido de pés e mãos, sem haver mão esquerda que castigue, nem mão direita que permeie; e faltando a justiça punitiva para expelir os humores nocivos, e a distributiva para alentar e alimentar o sujeito, sangrando-o por outra parte os tributos em todas as veias, milagre é que não tenha expirado.

Com terem tão pouco do céu os ministros que isto fazem temo-los retratados nas nuvens. Aparece uma nuvem no meio daquela Bahia, lança uma manga ao mar, vai sorvendo por oculto segredo da natureza grande quantidade de água, e depois que está bem cheia, depois que está bem carregada, dá-lhe o vento, e vai chover daqui a trinta, daqui a cinqüenta léguas. Pois, nuvem ingrata, nuvem injusta, se na Bahia tomaste essa água, se na Bahia te encheste, porque não chove também na Bahia? Se tiraste de nós, porque não a dependes conosco? Se a roubaste a nossos mares, porque a não restituís a nossos campos? Tais como isto são os ministros que vêm ao Brasil - e é fortuna geral das partes ultramarinas. Partem de Portugal estas nuvens, passam as calmas da Linha, onde se diz que também refervem as consciências, e em chegando, verbi gratia,a esta Bahia, não fazem mais que chupar, adquirir,ajuntar, encher-se (por meios ocultos, mas sabidos), e ao cabo de três ou quatro anos, em vez de fertilizarem a nossa terra com a água que era nossa, abrem as asas ao vento, e vão chover a Lisboa, esperdiçar a Madri. Por isto nada lhe luz ao Brasil, por mais que dê, nada lhe monta e nada lhe aproveita, por mais que faça, por mais que se desfaça. E o mal mais para sentir de todos é que a água que por lá chovem e esperdiçam as nuvens não é tirada da abundância do mar, como noutro tampo, senão das lágrimas do miserável e dos suores do pobre, que não sei como atura já tanto a constância e fidelidade desses vassalos. O que o Brasil dá, Portugal o leva. Tudo o que der a Bahia, para a Bahia há de ser: tudo o que se tirar do Brasil, com o Brasil se há de gastar.

A CORRUPÇÃO NO BRASIL

Este tema muito tem a ver com a substância do anterior.

Tendo como ponto de convergência o Maranhão, Vieira mencionou, em 1662, as possíveis causas do empobrecimento moral daquela parte dos domínios portugueses, ao discorrer sobre as seguintes faces: a desonestidade, as injustiças e tiranias, os desregramentos e os abusos do poder constituído:

São os interesses dos que governam, porque as rendas dos dízimos de Vossa Majestade em todo aquele Estado, chegam a montar seis até oito mil cruzados, os três dos quais toma o Governador inteiramente e no melhor parado, e na mesma forma se pagam de seus ordenados os procuradores e os oficiais da fazenda, com que vem a ficar muito pouco para as despesas ordinárias das igrejas, vigários, oficiais de milícia e soldados, aos quais se não paga nem a quarta parte do que lhes pertence, com que é força que busquem outros modos de viver e se sustentar, que muitas vezes são violentos, e todos vêm a cair às costas do povo. Assim também levam consigo os ditos governadores muitos criados, que provêm nos melhores ofícios, e eles com confiança no poder de seu amo ou servem com insolência, dominando não só as pessoas, mas as fazendas, de que se recolhem a Portugal ricos e os povos ficam despojados.

Assim mesmo vendem os provimentos das companhias e não uma senão muitas vezes com que não só tiram aquele prêmio militar aos soldados velhos e beneméritos, mas está com isto todo o Estado cheio de títulos, de capitães e de sargentos-mores, que, para sustentar a vaidade do nome, é força que também busquem com opressão alheia, o que por outra via não podem alcançar. O mandar alistar a uns por soldados e riscar praças a outros também é modo de adquirir mui usados dos que governam, com tanta opressão dos que cativam, como dispêndio dos que se resgatam.

Padre Antônio Vieira tomando o Maranhão como modelo. Entretanto poderia ter dito igualmente sobre os mesmos vícios com alusão ao Brasil por inteiro. O Brasil em toda a sua amplitude, sobretudo o Brasil de hoje, dos nossos tempos.

Por conveniência, para concluir o pensamento de Vieira, consentimo-nos reproduzir alguns trechos das palavras de outro gênio expresso de viva voz da língua portuguesa, o notável e eminente Rui Barbosa:

O brasileiro que atravessar a fase atual terá que testemunhar à descendência, com as cãs envergonhadas, uma longa página de amargura e vilipêndio, onde os olhos de nossos filhos buscarão um ponto de refrigério em que espaireçam; um país opulento, inexaurível como a natureza mesma, e, todavia, física e moralmente estagnado, na sua imensa amplidão, como um vasto pânico; um governo lição viva de todas as corrupções; a casa dos padres conscritos feita a grande escola pública da cortesania; a câmara dos deputados aviltada, graças às suas próprias obras, até às vaias das galerias; a magistratura, atirada fora a toga da justiça, a ostentar deslavadamente o escândalo das mais delirantes e indecentes paixões; o executivo dissipando, transigindo, contrariando encargos públicos, sem autorização orçamentária; os ministros da fazenda acumulando montanhas de dívida; a voragem de deficit a escancarar de dia em dia um sorvedouro capaz de tragar dentro em pouco a nossa receita total; a quebra da fé nacional aconselhada nos relatórios das secretarias de estado como inocente recurso de finanças; a falência do estado prevista, receada, talvez iminente como um traço terrivelmente negro no horizonte; a lavoura em profunda e mortal caquexia; o comércio e a indústria, sob a pressão de impostos irracionais, condenados ao mais lastimoso raquitismo; a irresponsabilidade absoluta do poder em todos os graus de hierarquia; a mentira nas urnas, nos melhoramentos oficiais, no orçamento; a instrução pública uma cousa ainda por criar, uma ridícula mesquinharia negaceada; (...) de quando em quando um caráter de estadista enlameado e perdido; um nome lustroso para cada baixeza; as convicções levadas a riso, o cepticismo cínico aplaudido; a desconfiança, a inveja, a gana às reputações sãs, todos os instintos malévolos da servidão curtida subserviente; tudo funcionários ou pretendentes, servilismo e venalidade, indigência e luxo, medo à liberdade e anarquia, afilhadagem e dilapidação, desprezo impertérrito da lei e farisaica idolatria das conveniências pessoais, docilidade ao arbítrio oficial e insubordinação ao dever, um aparato de jactanciosa dignidade e uma pusilânime abdicação do direito, falsificação sistemática das instituições e culto misteriosamente respeitoso à impertinência da papelada administrativa, covardia universal perante a verdade e contubérnio familiar com a hipocrisia sob todas as suas formas...

Inferimos, então, persistirem as mesmas chagas, os mesmos crimes, os mesmos desvios, o mesmo desleixo, , as mesmas desatenções, a mesma incapacidade moral, hoje mais do que ontem, com a culpabilidade conseqüente dos altos interesses econômico-financeiros interligados ao tráfico de drogas, poder que acelera ou retarda os males, onde políticos, administradores, e até juízes, pessoas que dantes nos pareciam dignas de confiança e respeito, enterra-se na lama corrupta.

Nesse instante, em que se comemoraram recentemente os 500 anos de Descobrimento do Brasil, nada mais conveniente do que recordarmos as palavras de Vieira, corroboradas pelo grande escritor Rui Barbosa.

Em meio a esta celebração, esquecemos de refletir. Talvez por arrogância não ponderamos de novo a nossa identidade e condição de povo e nação. Com isso, restará, tão somente, esperarmos por mais 500 anos, talvez até mais que isso, para robustecermos o caráter de raça, que espera outra colonização de outra modalidade.

Eis aí o Brasil de ontem e de hoje.

Referências bibliográficas:

BARBOSA, Rui. O Papa e o Concílio. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 1930.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1976.

LINS, Ivan. Aspectos do Padre Antônio Vieira. Rio de Janeiro: São José, 1956.

VIEIRA, Padre Antônio. Sermões. Reprodução facsimilada da edição de 1682. São Paulo: Anchieta, 1943. Organização do Padre Augusto Magne. 3 vol.

------. Cartas. Coimbra: João Lúcio de Azevedo, 1925. 3 vol.

------. Catálogo de obras. Rio de Janeiro: FBN/Eduerj, 1999.