Em nome do Estado Democrático de Direito e da ampla defesa
Antonio Nardoni*
Como cidadão, procuro manter sempre uma postura ética de respeito às instituições e às autoridades, sejam elas de qualquer instância de poder, até porque, o respeito às leis e às pessoas deve sempre fazer parte das nossas vidas e devemos praticar isso diariamente sob pena de estarmos afrontando o nosso próprio eu.
Esse comportamento sempre pautou a minha vida. Desde criança, numa infância pobre e com grandes dificuldades, minha mãe sempre ensinou a mim e aos meus irmãos o valor do respeito às leis e às pessoas, como sendo um bem precioso e importante de cada ser humano.
A educação recebida em nossa infância sempre é levada à frente na educação que passamos aos nossos filhos. Pelo menos no nosso caso e na nossa família, a educação sempre esteve presente e isso pode ser dito por qualquer pessoa que acompanhou de perto a nossa vida e a vida de nossos filhos e netos.
Sobre o caso que envolve minha neta, meu filho e minha nora, fico extremamente magoado com as atitudes de algumas autoridades deste país, na medida em que não levam em conta o respeito e a dignidade do ser humano.
Quando vejo as atitudes das autoridades - em total afronta à nossa Carta Maior - simplesmente desprezar a presunção da inocência, o direito de defesa e inverter o ônus da prova acusando um casal de assassinar brutalmente uma criança sem ao menos ter uma prova concreta disso, concluo que o Estado Democrático de Direito corre um grande perigo.
As instituições, principalmente as autoridades, que municiaram a mídia com informações que não se confirmaram, com o objetivo de dar uma resposta rápida à sociedade, acusam, prendem, julgam e condenam o casal, sem dar-lhes a mínima chance de se defender. Até porque, nesse momento, levar o casal a júri popular é meramente uma formalidade para ratificar as acusações infundadas lançadas para conhecimento da população, que tem hoje o casal e seus familiares como monstros capazes de qualquer atrocidade a ponto de apedrejarem nossas casas e tentarem nos agredir na rua, esquecendo-se de que somos seres humanos e que existem duas outras crianças longe dos seus pais.
Preocupa-me, também, a postura das entidades de classe, que desde o início do caso - talvez por receio de retaliações - calaram-se diante do total absurdo que vem ocorrendo na condução dos trabalhos, seja pelas acusações sem prova, testemunhas plantadas, indiciamento e o interrogatório sem o laudo concluído ou mesmo por afirmações das próprias autoridades que não se comprovaram na conclusão dos trabalhos.
O mesmo devo dizer, infelizmente, dos profissionais da área de medicina e biologia, que muito provavelmente com o receio do que possam pensar a mídia e o povo, deixam simplesmente de dar sua opinião técnica ou se recusam a dizer a verdade sobre o caso, esquecendo-se que um dia poderão ter que se explicar aos seus familiares e principalmente aos seus filhos, do porque deixar dois inocentes pagarem por algo que não fizeram, somente porque tinham medo de exercer o seu direito de dizer o que sabem.
Não se pede para que alguém diga algo que não seja a verdade. Então por que alguém pode deixar de dizer a verdade por receio do que pensam outras pessoas? Estudaram para isso e juraram que sempre diriam a verdade sobre os assuntos da sua responsabilidade, ou para os quais tivessem estudado, e se especializado, e vemos, na prática, esses profissionais se esquivando de falar ou escrever sobre o assunto de maneira técnica.
Não se pede nada a esses profissionais, apenas que sejam éticos e se pronunciem em base aos laudos oficiais ou em sua experiência profissional, o que poderia ter evitado uma condenação antecipada do casal pelas autoridades e pela mídia, como aconteceu nesse caso.
Como podem as autoridades desse Estado e do país, não terem humildade e profissionalismo suficiente para assumirem que estão sendo induzidas a erro, uma vez que os laudos oficiais nada provam e ainda desmentem todas as informações passadas à imprensa principalmente sobre o “inexistente” sangue no carro, na cadeira do bebê, na fralda e no chão do apartamento.
Causa-me espanto, também, tomar conhecimento de algumas decisões de 1ª ou de 2ª instâncias, onde pessoas do mais alto conhecimento jurídico são induzidas a erro ao se embasarem em argumentos falsos para manter o casal preso. Ou seja, alegam a existência de sangue na fralda, no carro, na cadeira do bebê e no chão do apartamento onde supostamente teriam jogado a menina, quando o próprio laudo oficial desmente essas afirmações, não comprovando a existência do tão propalado sangue nesses itens, restando, portanto, a conclusão de que não houve a fraude processual e menos ainda a existência da agressão no carro, a qual seria a base para o suposto crime.
Mais grave, ainda, é o fato de estarmos falando do laudo oficial conclusivo, razão pela qual falta entendimento do porquê manter o casal preso. Seria somente pelo clamor popular? O clamor popular poderia e deveria ser amenizado se as autoridades íntegras desse país viessem a público para dizer a verdade. Somente a verdade.
Nunca em meus pronunciamentos pedi nada que não fosse a verdade dos fatos, e por isso não compactuo com mentiras em engodos para manter uma história que não se sustenta e que pretende manter dois inocentes na cadeia, somente pela promoção pessoal e para não assumir que erraram, esquecendo-se que eles têm dois outros filhos ainda pequenos, e que precisam deles.
Os próprios laudos oficiais e depoimentos das testemunhas de acusação (testemunhas essas que deveriam falar somente nos laudos e nos relatórios como é o caso da delegada que conduziu o inquérito e dos peritos que assinaram o laudo) comprovam a inocência do casal ao afirmarem que não entregaram determinados objetos para análise pericial por entenderem não serem relevantes. Pergunto-me, o que não seria relevante nesse caso? Impressões digitais? Análise da chave que teria ferido minha neta no carro? Exames nas mãos do casal, da Isabella e de suas vestes? Por mais absurdo que possa parecer, nada disso foi feito, até porque, a perícia alegaque fez e entendeu ser irrelevante para juntar ao processo.
Referida autoridade policial não deveria nem ter conduzido o inquérito, uma vez que, já na madrugada do fato (30.3.08) afirmava para todos que tinha sua convicção de que o casal era culpado e que ela não tinha outra linha de investigação. Os peritos e a autoridade policial faltam com a verdade ao afirmar que foram convocados para atender uma queda de criança do sexto andar, quando a requisição para a perícia dos laudos já consta como um homicídio.
Isso ficou demonstrado nas investigações, que foram conduzidas unicamente com o objetivo de condenar antecipadamente o casal, seja pelas declarações antecipadas à imprensa de fatos que não se confirmaram, seja pela atitude da autoridade policial, que em conjunto com outra delegada chamou o casal de assassino em plena Delegacia de Polícia para toda a imprensa ouvir.
Essa autoridade policial confirma isso em seu depoimento ao juiz que conduz o processo, quando afirma que na manhã de domingo já tinha sua convicção da culpa do casal. Ou seja, todas as investigações foram direcionadas somente ao casal, razão pela qual foram feitas nove perícias no apartamento, desprezando outras linhas de investigação, inclusive várias denúncias que sequer foram apuradas.
Outro procedimento estranho dessa autoridade, é que, quando perguntada sobre a chave do apartamento (que, segundo ela, teria sido usada para agredir Isabella) afirma que deixou na gaveta em sua sala. Talvez não tenha achado importante mandar para a perícia.
Se o objeto que teria ferido minha neta não é importante, o que seria então? Talvez não tenha enviado para análise porque sabia que não constataria ter o sangue da menina na chave, e nesse caso a história criada não poderia ser contada da forma como foi.
Causa-me espanto, quando vejo as decisões afirmarem que o casal deve permanecer preso porque ficou comprovado à existência de sangue no carro, na cadeira de transporte, na fralda e no chão do apartamento, quando na verdade isso não se comprova com a leitura dos laudos oficiais, o que me leva a concluir que as autoridades estão sendo induzidas a erro pelo que foi veiculado na imprensa, até porque uma breve leitura do laudo oficial conclusivo de DNA deixa claro que nesses lugares não houve confirmação para sangue.
Seria pedir demais para os juízes, desembargadores e ministros que, antes do seu despacho, fizessem uma breve leitura do laudo oficial conclusivo de DNA (as páginas 1.299 a 1.310 do processo em questão, mais especificamente a partir da página 1.305), onde constataria que estão sendo induzidos a erro, seja pelas informações passadas pelas autoridades, seja pelas veiculadas pela imprensa, porque, em tais itens - nos quais se embasam para manter o casal preso e afirmar que eles mataram minha neta - nenhum deles comprova a existência de sangue.
Se analisarmos esse caso desde o início, veremos que estamos vivendo num estado policialesco e não num Estado Democrático de Direito. Se não tomarmos cuidado, em nome de uma “dita” justiça que não se sabe se é a verdadeira, estaremos excluindo direitos e transformando nosso país em algo que não é o que queremos. Aqui falo pelo que nossos antepassados lutaram para conquistar. Refiro-me a um país justo onde as leis devem ser observadas, independentemente de quem dela precise, sem distinção de cor, credo ou condição social, ou seja, a lei existe para ser aplicada e não podemos deixar de fazê-lo com medo de críticas ou do que possam pensar pessoas que têm outros interesses.
Os aplicadores do Direito devem, sim, fazer justiça, mas não aquela dita pela mídia ou por outra pessoa qualquer com interesse no caso. Mas sim aquela que consta dos autos, aquela que prova a culpa, aquela que não deixa dúvidas sobre sua autoria.
Não deveriam se preocupar com o clamor popular, clamor que existe porque pssou-se para a população informações que posteriormente não se confirmaram, tendo, inclusive, algumas autoridades, sem o menor pudor e responsabilidade, chamado a população para as ruas para fazer a sua própria justiça, demonstrando mais uma vez que não existem provas contra o casal, mas, sim, tentando levar o povo a fazer justiça com as próprias mãos.
Levar esse casal a júri nesse momento e nesse país é concordar com o óbvio, ou seja, fazer como Pilatos, lavar as mãos em nome de uma justiça que não é a verdadeira, tentando demonstrar ao povo uma celeridade que não ocorre nos milhares de outros processos hoje em trâmite, e manter na cadeia dois inocentes.
Fica muito fácil para as autoridades afirmar que cumpriram com sua obrigação, e depois colocar a sua cabeça no travesseiro e dizer que, se houve condenação, foi o júri quem condenou e não nós, como se isso pudesse aliviar sua consciência, da forma como foi conduzido esse processo desde o início.
Não estou aqui defendendo simplesmente o casal, mas também a essência da democracia nesse país, e o Estado Democrático de Direito e da ampla defesa que, nesse caso, não estão sendo observados, em nome de uma justiça rápida, que não pode e não deve ser a verdadeira justiça, sob pena de se ratificar a condenação de dois inocentes. Inocentes que hoje já estão pagando por algo que não fizeram, somente para satisfazer os desejos de promoção de alguns poucos.
Peço do fundo do meu coração, como pai e avô de uma menina linda que se foi, para que as autoridades desse país - principalmente aquelas que devem aplicar o Direito na sua plenitude - que reflitam bem sobre esse caso, para que não se arrependam amanhã das exceções hoje aplicadas, e que podem vir a se tornar regras num futuro bem próximo, levando nossas instituições ao descrédito e as pessoas desse nosso lindo país a acreditar que vale tudo em busca da justiça, mesmo a condenação de dois inocentes.
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*Advogado (OAB/SP 121.857), formado pela Faculdade de Direito das Faculdades Integradas de Guarulhos - Turma de 1992.
Fonte: web
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