Aliás, como anunciou CALAMANDREI, “o Juiz é o intermediário entre a norma e a vida. Em certos momentos, até a lei pode falhar, mas nunca poderá faltar a Justiça”. Por isso, sempre acreditei que o Juiz é mais, muito mais do que esclareceu o Mestre italiano, porque o Juiz, sob cuja tutela repousa, seguramente, a liberdade, a honra e o patrimônio, é a última esperança do homem e sociedade, a partir do primeiro malogro da lei. (In Raphael Carneiro Arnaud; Magistrado, administrador e cultor da história).
Dando triste atualidades às palavras de NOÉ AZEVEDO, onde este adverte que “as leis mais liberais, com providencias as mais sábias e justas para a proteção da liberdade individual, podem se transformar em verdadeiros flagelos, si as suas disposições forem manejadas, como látego de feitores, por juízes retrógrados, obtusos e cruéis”, o fato é que tem sido recebido, às mãos cheias, denúncias e mais denúncias contra acusados inseridos na Lei de Tóxicos, sem a mínima fundamentação, fazendo-se Tábula Rasa do Direito de Defesa e do Due Process.
Quando o constituinte brasileiro incluiu esta exigência no art. 93, IX, da Magna Carta republicana, evidentemente, pretendeu criar um padrão para toda e qualquer manifestação judicial que apresente uma carga decisória, por menor que esta seja, só estando excluídos os denominados despachos de expediente, coisa que a decisão inaugural da relação processual penal, nem de longe, pode ser confundida. Nesse teor, explicita ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO: “Ao dizer que serão fundamentadas ‘todas’ as decisões, a Constituição brasileira não expressa apenas a extensão do dever de motivar, mais do que isso, prescreve um único modelo de decisão judicial – a decisão fundamentada -, em que tal exigência deve condicionar o próprio raciocínio decisório”. (Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, nº. 30 – Jun/Jul 2009).
Isto posto, e como a NULIDADA é de caráter ABSOLUTO, noutras palavras, nos dizeres de SOARES (1977, p. 361), “...o Direito Processual Penal é eminentemente formal, isto é, cada norma processual penal corresponde a um ato, sujeito a determinada forma, que constitui a própria garantia e segurança da ordem processual”, por conseqüência deve Vossa Excelência anular todos os atos praticados no processo a partir do recebimento da denúncia e, de imediato, determinar a soltura do acusado, pois encontram-se preso mais tempo que a lei permite, sem prejuízo de ser refeita a instrução penal até final sentença.
“É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalecem em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº. 88, de 20/12/37, art. 20, nº. 5). Precedentes.” (HC 83.947/AM, Rel. Min. Celso de Mello).
Convém assinalar, neste ponto, que, “embora aludido ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão [...], a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação” (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito À Prova no Processo Penal, p. 113, item nº. 7, 1997, São Paulo: Revista dos Tribunais).
“No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando à alta probabilidade desta ou daquela. E não pode, portanto, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio.” (TJSP – RT, 619/267).
Não é possível, observa FRAGOSO, fundar sentença condenatória em prova que não conduz a certeza... Como ensina o grande mestre EBERHARDT SCHIMDT (“Deutsches Strafprozessrecht”, 1967, p.48). constitui princípio fundamental do processo o de que o acusado somente deve ser condenado quando o Juízo, na forma legal, tenha estabelecido os fatos que fundamentam a sua autoria e culpabilidade, com completa certeza... Se subsiste ainda que apenas a menor dúvida, deve o acusado ser absolvido... A condenação exige certeza e não basta, sequer, a alta probabilidade... (“Jurisprudência Criminal”,III, Borsoi, 1973, p. 405/406).
O admirável LIDIO MACHADO BANDEIRA DE MELLO, em cujas mãos o Direito penal ganha uma beleza e uma grandeza extraordinárias, refere-se ao fato de a ignorância da lei penal não eximir da pena, pois, do contrário, a aplicação da penalidade, em grande numero de casos, seria impossível, entretanto, pondera o mestre que, a rigor, para que a ignorância da lei pudesse ser sempre repelida, impunha-se eu a lei penal fosse simples, clara, límpida, ao alcance da compreensão de toda gente. Uma lei penal mal redigida, que exige acurada interpretação, não pode, em sã justiça, ser obrigatória para todos os homens.
Se não se dá ao povo o direito de ignorar a lei, indispensável é que a lei esteja ao alcance do entendimento do povo. Em ultima analise, as que proíbem matar, ferir, roubar, violentar mulheres e crianças. Tais crimes todos conhecem e todos reprovam, reconhecendo que eles ofendem os sentimentos da caridade e negam as virtudes essenciais da condição humana”. (HÉLIO SODRÉ), “Manual Compacto de Direito”, Forense, 1980, p. 75).
- Queria, senhor que quando me apresentasse ao Teu Juízo, os encontrasse a Tua porta, para que me disse sem que os julguei com justiça, e se para com algum e sem dar por isso fui injusto, esse, mais do que outro, desejaria encontrar ao meu lado, para lhe pedir perdão e para lhe dizer que nem uma só vez esqueci ser uma pobre criatura humana, escrava do erro, que nem uma só vez, ao condenar consegui reprimir a perturbação da consciência, tremendo perante um oficio que, em ultima instancia, apenas pode ser Teu, Senhor”.
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