quarta-feira, 17 de março de 2010

Sob críticas do Executivo, do Judiciário e do MP, CCJ vota mudança no Código Penal




Sob críticas comedidas de setores do Ministério Público e dos poderes Executivo e Judiciário, interesses corporativos e apoio incondicional da advocacia, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal deve aprovar hoje uma das mais profundas alterações no processo penal brasileiro. Está na pauta da comissão, em caráter terminativo, o Projeto de Lei nº 156, que modifica, em seus 702 artigos, os princípios básicos que regem as ações criminais no país e a relação entre as partes envolvidas - Ministério Público, polícias, Justiça e réus.

A principal queixa de representantes do Ministério Público e do Judiciário é a rapidez com que uma alteração desse porte na lei processual foi elaborada. O projeto que cria o novo Código de Processo Penal foi concebido por uma comissão de juristas convocada em agosto de 2008 pelo presidente do Senado, José Sarney, e seu texto básico foi entregue em abril do ano passado - "de afogadilho", segundo alguns. Neste período, a comissão criou uma proposta de lei cuja essência é o modelo de processo penal a ser seguido pelo Brasil. Do atual modelo inquisitivo, que prevê uma participação maior do juiz na condução do processo, o código proposto passa ao modelo acusatório, já adotado por países como Itália e França e que dá maior poder ao réu ao transferir a produção de provas também a ele, colocando o juiz na condição de mero julgador.

Em tese, há quase um consenso em relação aos benefícios de um modelo acusatório, mais "garantista" em relação aos direitos constitucionais do réu. No entanto, é também consenso o fato de que, hoje, a adoção desse modelo no Brasil é inviável. A principal inovação do projeto é a criação do juiz de garantias, uma verdadeira instância nova no trâmite das ações criminais. Pelo texto do Projeto de Lei nº 156, o juiz de garantias será o responsável por preservar a legalidade de todas as medidas tomadas durante as investigações criminais - como quebras do sigilo telefônico, bancário e fiscal, buscas e apreensões e prisões preventivas e temporárias. Finalizada essa fase, o processo será julgado por outro magistrado - o juiz da causa.

O problema é a implementação dessas mudanças. "Mais da metade das comarcas do país têm apenas um juiz", diz o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo. Para que o juiz de garantias seja implementado, seria preciso que todas essas comarcas tivesse ao menos dois juízes - um para julgar as medidas cautelares durante a investigação e outro para julgar o processo em si.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mattos, vai além da crítica à falta de estrutura do Poder Judiciário para adotar o juiz de garantias. "Ao suprimir o poder de instrução (poder de decidir sobre a produção de provas) do juiz, o projeto transforma o processo em uma disputa entre a acusação e a defesa: quem for melhor ganha", diz. "É uma mudança profunda do processo penal brasileiro que precisa ser mais discutida."

Do lado oposto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entregou ontem um conjunto de propostas ao relator do Projeto de Lei nº 156, senador Renato Casagrande (PSB-ES), cuja tônica é a "paridade de armas" - expressão usada em vários dos textos sugeridos. A OAB não apenas defende o juiz de garantias como propõe a criação do "Ministério Público de garantias": "Partindo-se do princípio de que o Ministério Público não é tratado pela redação do projeto como mero órgão acusador, para que possa ter função dúplice de acusação e fiscal da lei, o mesmo raciocínio de imparcialidade desenvolvido para criar o juiz de garantias deve ser aplicado para criar o 'Ministério Público de garantias'", diz uma das propostas entregues à CCJ. De acordo com o presidente do Conselho federal da OAB, Ophir Cavalcante, a proposta elaborada pela comissão criada por Sarney dá mais equilíbrio entre o Estado, acusador, e o réu, acusado. "O sistema de hoje se revela tendencioso, na medida em que há uma tendência do juiz em admitir as provas produzidas pelo Ministério Público", diz.

Ainda que o cerne dos discursos favoráveis e contrários às mudanças no processo penal seja uma questão teórica, a proposta tem como pano de fundo um cenário belicoso entre as partes antagônicas que tem extrapolado os tribunais. Alguns dos dispositivos presentes no Projeto de Lei nº 156 têm sido alvo de acirradas discussões nos processos gerados pelas operações mais ruidosas da Polícia Federal - como a Satiagraha, deflagrada em julho de 2008, e a Castelo de Areia, de março do ano passado. Os pedidos de suspeição de juízes - que se tornaram uma constante nos casos sob responsabilidade do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo - estão contemplados na proposta em votação na CCJ: o artigo 54 do projeto de lei aumenta as possibilidades de afastamento de juízes.

Fonte: site aasp

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