Por: Luiz Ângelo Cerri Neto e Roberto B. Parentoni, Advogados Criminalistas
Mundialmente, a semana de 11 a 16 de março ficará marcada pela escolha de Sua Santidade, o Papa Francisco, como Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana.
No âmbito nacional, a semana certamente, pelo menos no meio jurídico, foi marcada pela transmissão ao vivo do primeiro Júri Popular do País (alguns dizem que não), que contou com uma iniciativa inédita das partes envolvidas (Acusação, Defesa e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) e de meios de comunicação que se dispuseram a transmitir tal julgamento.
Colhida toda prova pericial e testemunhal, as partes travaram verdadeira “batalha” argumentativa, cada qual buscando um objetivo: a Acusação, a condenação, e a Defesa, a absolvição.´
Mas, de todo “espetáculo”, o que mais nos chamou a atenção foi o momento da prolatação do veredicto do Conselho de Sentença e a sentença em si.
Com voz embargada, o MM. Juiz de Direito, Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Guarulhos/SP, leu a sentença condenatória e passou à dosimetria da pena de acordo com o sistema trifásico de Nelson Hungria (conforme art. 59 do CP), ocasião na qual exacerbou a reprimenda na primeira fase afirmando que o Acusado Mizael Bispo de Souza mentiu.
Assim, segundo o Juiz, apesar de lhe ser garantido o direito constitucional de permanecer calado e não haver no ordenamento jurídico pátrio o delito de auto-perjúrio, caso desejasse se manifestar deveria dizer somente a verdade, sob pena de a mentira servir de circunstância judicial negativa. Dessa forma, julgando-o novamente por um crime que ele não cometeu e para o qual o Juiz não tem condições de julgar, foi-lhe aumentada em 02 (dois) anos a pena na primeira fase.
Discordamos veementemente de tamanha injustiça.
Como é sabido, pelo menos pensamos nós, os operadores do Direito, que no julgamento pelo Tribunal do Júri é utilizado o sistema de valoração de provas da íntima convicção desmotivada, ou seja, o Jurado decide de acordo com sua consciência, sendo desobrigado de explicar o motivo de sua decisão. Dessa forma, em caso de condenação, o Juiz jamais saberia qual prova serviu de condenação ou se o Conselho de Sentença se convenceu de que o Acusado mentiu, conforme alegado pela Acusação.
Por essa razão podemos afirmar tranquilamente que a sentença prolatada ocorre em erro na dosimetria, haja vista o fato de que o Magistrado jamais poderia reconhecer que o Réu mentiu e muito menos puni-lo por meio de aumento de pena em razão de circunstância judicial negativa, nem mesmo se quesitasse aos Jurados perguntando se o Réu mentiu (o Código Penal não pune o auto-perjúrio), pois sua atribuição, de acordo com o Código de Processo Penal, é presidir a Sessão de Julgamento e prolatar sentença de acordo com o que foi decidido pelo Conselho de Sentença.
Assim sendo, temos plena convicção que em eventual recurso da defesa haverá uma redução significativa da pena de Mizael em razão de abuso na exasperação da reprimenda na primeira fase, ainda que tal não se dê no Tribunal de Justiça e sim na instâncias Superiores, ou pelo menos provocará um belo embate e interpretação do direito constitucional de não se auto-incriminar. Até lá, alguns continuarão dizendo que 20 anos de pena é pouco, outros, que não, mas com certeza, até decisão final, a Justiça chora.
Por fim, é de admirar que estejamos discutindo isso no atual panorama nacional e, quiçá, mundial, do avanço das leis e de todas as conquistas arduamente conseguidas, pois que nada nos é “dado”, apenas porque é justo e bom.
É com indignação que vemos a atitude desse Juiz, cabendo, aos advogados e advogadas, principalmente os de defesa, sejam na área penal, civil, trabalhista, ou qualquer outra, ficarem atentos, pois se a moda pega, clientes em todas as esferas se verão condenados por se defenderem, se “alguém”, de toga, entender que ele está mentindo em suas declarações.
Talvez a grande maioria da população tenha concordado e até aplaudido o aumento de pena em razão da “mentira” contada pelo réu. Para todos os que estão felizes e soltando rojões com a peripécia de se criminalizar aquilo que não é crime, apenas por ter sido realizada pelas mãos de um Juiz de Direito, lembrem-se que a lei é para todos e quem sabe, pela força do egoísmo, tão presente no ser humano (pode ser com você, um dia), já que a ignorância abunda, deixem de aplaudir tamanha aberração.
Fraternalmente
Luiz Angelo Cerri Neto
Roberto Bartolomei Parentoni
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