sábado, 21 de abril de 2012

A justiça é cega… mas o juiz não é

Curiosa Sentença de um Juiz Gaúcho
Num inquérito pela contravenção de vadiagem, que
ocorreu na 5a Vara Criminal de Porto Alegre, o juiz
Moacir Danilo Rodrigues proferiu a sentença que
transcrevemos a seguir:
“Marco Antônio ………….., com 29 anos,
brasileiro, solteiro, operário, foi indiciado pelo
inquérito policial pela contravenção de vadiagem,
prevista no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais.
Requer o Ministério Público a expedição de Portaria
contravencional. O que é vadiagem? A resposta é dada
pelo artigo supramencionado:
“entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo
válido para o trabalho…”
Trata-se de uma norma legal draconiana, injusta e
parcial. Destina-se apenas ao pobre, ao miserável, ao
farrapo humano, curtido vencido pela vida. O
pau-de-arara do Nordeste, o bóia-fria do Sul. O filho
do pobre que pobre é, sujeito está à penalização. O
filho do rico, que rico é, não precisa trabalhar,
porque tem renda paterna para lhe assegurar os meios
de subsistência. Depois se diz que a lei é igual para
todos! Máxima sonora na boca de um orador, frase
mística para apaixonados e sonhadores acadêmicos de
Direito. Realidade dura e crua para quem enfrenta,
diariamente, filas e mais filas na busca de um
emprego. Constatação cruel para quem, diplomado,
incursiona pelos caminhos da justiça e sente que os
pratos da balança não têm o mesmo peso.
Marco Antônio mora na Ilha das Flores (?) no estuário
do Guaíba.
Carrega sacos. Trabalha “em nome” de um irmão. Seu mal
foi estar em um bar na Voluntários da Pátria, às 22
horas. Mas se haveria de querer que estivesse numa
uisqueria ou choperia do centro, ou num restaurante de
Petrópolis, ou ainda numa boate de Ipanema?
Na escala de valores utilizada para valorar as
pessoas, quem toma um trago de cana, num bolicho da
Volunta, às 22 horas e não tem documento, nem um
cartão de crédito, é vadio. Quem se encharca de uísque
escocês numa boate da Zona Sul e ao sair, na
madrugada, dirige (?) um belo carro, com a carteira
recheada de “cheques especiais”, é um burguês. Este,
se é pego ao cometer uma infração de trânsito,
constatada a embriaguez, paga a fiança e se livra
solto. Aquele, se não tem emprego é preso por
vadiagem. Não tem fiança (e mesmo que houvesse, não
teria dinheiro para pagá-la) e fica preso.
De outro lado, na luta para encontrar um lugar ao sol,
ficará sempre de fora o mais fraco. É sabido que
existe desemprego flagrante. O zé-ninguém (já está
dito), não tem amigos influentes. Não há apresentação,
não há padrinho. Não tem referências, não tem nome,
nem tradição. É sempre preterido. É o Nico Bondade, já
imortalizado no humorismo (mais tragédia que humor) do
Chico Anísio. As mãos que produzem força, que carregam
sacos, que produzem argamassa, que se agarram na
picareta, nos andaimes, que trazem calos, unhas
arrancadas, não podem se dar bem com a caneta (veja-se
a assinatura do indiciado à fls. 5v.) nem com a vida.
E hoje, para qualquer emprego, exige-se no mínimo o
primeiro grau. Aliás, grau acena para graúdo.
E deles é o reino da terra.
Marco Antônio, apesar da imponência do nome, é miúdo.
E sempre será.
Sua esperança? Talvez o Reino do Céu.
A lei é injusta. Claro que é. Mas a Justiça não é
cega? Sim, mas o juiz não é.
Por isso:
Determino o arquivamento do processo deste inquérito.
Porto Alegre, 27 de setembro de 1979.
1.. Moacir Danilo Rodrigues. Juiz de Direito – 5a Vara
Criminal.”
Transcrito do Suplemento Jurídico: DER/SP no 108 de
1982

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