Por: Roberto Parentoni, Advogado Criminalista
Foi em 1991, seis meses após ter-me habilitado como advogado, que recebi em meu escritório a nomeação como advogado dativo para defender o meu primeiro caso de Júri na Comarca de Itapira/SP.
Havia me inscrito recentemente como advogado dativo no convênio entre a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à época. Hoje este convênio é feito com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Era um caso muito complicado. Um jovem rapaz havia tirado a vida do próprio pai e fora denunciado com três qualificadoras. Diante do imenso desafio, tomei uma decisão.
Chamei o acusado em meu escritório e expliquei a ele a situação seguinte: eu era um iniciante na advocacia e aquele seria meu primeiro Júri; apesar de confiar que poderia fazê-lo, eu poderia declinar da nomeação e um novo advogado, quiçá mais experiente, poderia ser admitido para realizar o seu Júri.
Naquele momento, aquele rapaz já havia se convertido a uma religião evangélica e foi nesse sentido que ele respondeu-me à minha proposição: “Se Jeová colocou o senhor na minha vida, que vá”.
Certo, então, de que haveria de realizar aquele Júri, tomei uma segunda decisão, que foi procurar orientação de um colega advogado experiente para que elucidasse minhas dúvidas quanto às qualificadoras, mormente sobre o motivo torpe. Eu realmente acreditava que o colega poderia me ajudar; além do mais, sempre havia mostrado solicitude a mim em público.
Tomei a liberdade de procurá-lo em seu escritório e ele recebeu-me friamente, não fui convidado a sentar. Ainda assim, fiz o questionamento sobre o que me preocupava e fiquei aguardando sua resposta. Ele apontou-me um livro que tinha em sua estante, eu o peguei e ele disse-me: “Leia este livro”. Agradeci e sai. Até hoje não sei que ele iria me emprestar o livro. Só sei que saí com as mesmas dúvidas que entrei.
O livro em questão era ‘Teoria e Prática do Júri’ , de Adriano Marrey, Alberto Silva Franco e Rui Stoco. Sinceramente, fiquei decepcionado e não entendi o motivo da frieza e indiferença com que me tratou.
A leitura daquele livro, naquela hora, não era exatamente o que precisava. Eu sabia que não tinha tempo nem entendimento para a leitura e sua prática naquele momento crucial. Precisava de uma orientação e discussão prática sobre as qualificadoras do caso.
No entanto, sai do escritório e assim que tive a oportunidade, dirigi-me até a cidade de Campinas, cidade maior e próxima, e adquiri o livro. E ao longo de minha militância na advocacia criminal desde 1991, adquiri outros mais (Veja o artigo que escrevi sobre isso publicado no Canal Ciências Criminais: Os 50 livros que todo advogado deve ler para atuar no Tribunal do Júri)
Estava correto ao constatar a minha imaturidade para compreender perfeitamente a teoria e sua prática no Júri contidas no livro e ele não colaborou muito para diminuir as minhas preocupações quanto ao caso naquela época, mas hoje o considero um livro essencial para os advogados e advogadas que militam na área criminal, em especial no Tribunal do Júri.
Passado algum tempo, esse mesmo colega a quem eu havia recorrido para ajudar-me no meu primeiro embate no Tribunal do Júri, estava realizando um Júri na Comarca e eu fui vê-lo defender seu cliente, como é costume, para aprender e prestigiar os colegas de profissão.
Assim que adentrei ao recinto do Tribunal, o promotor de Justiça falava (o mesmo que havia atuado no meu primeiro Júri), voltou-se na mesma hora para mim e apontando-me, dirigiu-se ao colega que fazia a defesa e disse: “Lembra-se Dr. Fulano, o senhor que se diz um paladino da Justiça, quando foi até o meu gabinete falar sobre o Dr. Parentoni aqui presente, dizendo-me quem seria ele para fazer um Júri na Comarca?”.
É certo que o Dr. Fulano não desmentiu o Promotor e nunca, depois daquilo, dirigiu-se a mim para falar a respeito.
Descobri, caros, naquele momento a motivação daquela má vontade inicial desse colega a quem eu considerava.
Quanto ao meu 1º Júri, dos 300 plenários já realizados até hoje, apesar do caso complicado, formado de uma denúncia de homicídio doloso e três qualificadoras, entendo que, de acordo com a verdade processual naqueles autos, chegamos a uma condenação justa: homicídio simples, com seis anos de pena.
Quero dizer, em conclusão, que o aqui relatado é um exemplo de que não podemos nos deixar abater por nada e nem ninguém. O que importa é como reagimos ao que nos acontece.
Outra coisa, é que, como sempre afirmo, nós advogados e advogadas devemos lutar bravamente pelos direitos dos nossos clientes e por uma sentença justa, e isso não quer dizer sempre absolvição.
Na época eu não tinha conhecimento deste livro de Maurice Garçon, ‘O Advogado e a Moral’. Vim a conhecer depois, mas vejo hoje que estava no caminho para ser um advogado em busca de Justiça. Ele diz, em um trecho do livro: “A verdadeira coragem do advogado consiste, essencialmente, em dizer o que tiver por necessário, sem olhar às críticas que possa sofrer ou aos inconvenientes que lhe possam advir. Porque não é a sua própria pessoa que está em causa, deve desprezar os descontentamentos que a sua atitude possa provocar. Não deve hesitar em desagradar, se o que desagrada lhe parece justo ou necessário.” .
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